14 fevereiro, 2011

Ditadura na saúde


...referir-se a um assunto, não tanto como enfermeiro, mas mais como utente/cliente, pois acho que as "relações interdependentes" (como p.ex. limpar o suor da testa ao cirurgião), podiam e deviam tender para a extinção, mas sobre isto estou a pensar referir-me noutro post. A prescrição por DCI volta a estar "na berlinda" e os mais importantes de todo o processo (os utentes) ficam a ver passar "a berlinda" sem poderem fazer nada. Confesso que fico um pouco chocado (neste país já começa a ser difícil haver algo que me choque muito) ao ver a insolência com que os médicos se assumem como ditadores na saúde (ou melhor, na doença) dos seus utentes/doentes e mais que isso, na carteira dos mesmos. Assim de repente "só" me surgem muitas perguntas em que a resposta pouco terá a ver com a "defesa dos doentes":
-No curso de medicina, aprendem a prescrever substâncias ativas ou marcas?
-Ainda que diferentes marcas possam ter efeitos terapêuticos diferentes, como sabem os médicos quais são os melhores? Experimentam-nos neles, fazem dos doentes cobaias, ou acreditam no Pai-Natal (leia-se delegado de informação médica)?
-A quem cabe avaliar a qualidade dos medicamentos à venda no mercado português? À Ordem dos Médicos ou ao Infarmed? Quem tem a competência e capacidade técnica para tal e quem tem uma opinião corporativa e baseada em mitos?
-Se no internamento prescrevem por principio ativo, porque não o fazem em ambulatório, prescrevendo normalmente uma marca diferente daquela na qual confiaram durante o internamento e que melhorou o doente?
-Porque é que a opinião do bastonário da OM é sempre coincidente com a da indústria farmacêutica e sempre com preocupações mais industriais que científicas?
O nosso Presidente (da República) que percebe imenso de medicina, vetou o diploma, zelando pela saúde dos doentes, para que estes não andem por aí a tomar medicamentos baratos (o que não é nada chic) e como não têm dinheiro para os de marca, não tomam medicamentos, pelo que da cura já não morrem, morrerão da doença?
A Indústria Farmacêutica (e seu representante mais ativo, i.e. Bastonário da OM) congratulou-se com esta decisão (porque será) e até disse que assim foram salvos cerca de 1000 postos de trabalho (pagos com o dinheiro de quem?); resta saber se neste número estão incluidos os empregos relativos ao "turismo médico", negócio de LCDs/LEDs, smartphones e afins, sim, porque se para a opinião pública as prendinhas dos delegados de informação médica se calhar são só rumores, ajudada pela rapidez com que as denúncias fundamentadas/factuais destas situações são abafadas na comunicação social, quem como nós sabe a realidade (ou pelo menos parte dela), não pode deixar de sentir revolta por este sistema mafioso. A marca serve apenas para proteger o mercado e consequentemente o preço do medicamento após a caducidade das patentes (período após o qual começam a aparecer os genéricos), mas isto pouco interessa ao doente (e ao Estado), pelos vistos só interessa aos médicos (e à indústria farmacêutica). O doente, que compra o medicamento e que o vai tomar é que é lógica e racionalmente quem decide a marca, após o aconselhamento com o seu médico e com o farmacêutico (que por sinal percebe mais de farmacologia que o médico), de acordo com as suas possibilidades monetárias, numa decisão livre, informada e responsável. Ainda gostava de ver a reação de um médico se na próxima vez que fosse ás compras e quisesse comprar por exemplo leite, estivesse lá um nutricionista para o obrigar a comprar leite de determinada marca, uma vez que ele percebe mais de leites do que o médico. Situações ridículas num pais ridículo, onde os médicos nem precisavam de se preocupar tanto com esta situação, uma vez que para a maioria do portuguesinho, aquilo que o sr. dr. médico disser é lei. Coroam-nos e não querem que reinem?

1 comentário:

Sant'Iago disse...

'ainda gostava de ver a reação de um médico se na próxima vez que fosse ás compras e quisesse comprar por exemplo leite, estivesse lá um nutricionista para o obrigar a comprar leite de determinada marca, uma vez que ele percebe mais de leites do que o médico.'
um dos posts best of!!!
muito bem escrito. concordo... com tudo, sem tirar nem pòr, está aí tudo!